Por Felipe Chimenti, membro do Núcleo de Estudos de Conjuntura Econômica (NECON) da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)
O Ministério da Fazenda apresentou as premissas básicas da nova regra fiscal. Caso aprovada, a mesma revogará a âncora fiscal anterior, criada no governo Temer e mais conhecida como “Teto de Gastos”.
Figura como um dos principais pontos da proposta o foco no controle das despesas, atrelado a metas de resultado fiscal. O controle visa encerrar a trajetória de déficit primário (estimado em 0,5% do PIB, em 2023) e direcionar as contas públicas para superávits nos próximos anos. Proporciona, assim, maior previsibilidade na condução da política fiscal aos investidores.
Será permitido crescimento das despesas primárias, em termos reais, entre 0,6% (piso) e 2,5% (teto), limitado a 70% do crescimento real da receita do governo, nos últimos 12 meses anteriores a julho (data-base anual). Caso a receita, por exemplo, aumente em 5% em termos reais, as despesas primárias poderão aumentar, no máximo, 2,5%, em termos reais. Em média, o crescimento real das despesas primárias, entre 2003 e 2015, foi de 6%, o que representa um desafio na organização das despesas públicas, em meio a um orçamento rígido.
Foram definidas metas de resultado primário (em porcentagem do PIB) para os próximos anos: 0%, para 2024, 0,5%, para 2025 e 1,0%, para 2026. Em adição, planeja-se a uma banda tolerável de 0,25 pontos percentuais (p.p.) para mais ou para menos, como forma de flexibilizar os objetivos fiscais frente às oscilações econômicas, algo não considerado pela âncora fiscal anterior.
Caso a meta de superávit primário não seja cumprida, gatilhos para o controle de gastos podem ser acionados, para ambos os lados. Considerando um período, por exemplo, onde o superávit primário seja descumprido, as despesas primárias do ano seguinte terão um limite de crescimento, em termos reais, de 50% do crescimento real das receitas. Em caso de reincidência, esse percentual é reduzido para 30% no período seguinte.
Existem exceções, inicialmente citadas, na nova regra fiscal. As despesas com o Fundo da Educação Básica (Fundeb) e o piso dos profissionais de enfermagem não serão consideradas (ou incluídas) na nova política de gastos. Educação e saúde voltaram a seguir o mínimo constitucional, extinto na regra anterior.
Apesar da sinalização positiva para a responsabilidade fiscal, existem pontos positivos
e pontos de atenção a serem considerados. O texto completo deverá ser votado via Lei Complementar pelo Legislativo, o que exige maioria absoluta para aprovação. Inicialmente, destaca-se o risco de desidratação das premissas básicas ao longo da tramitação e a necessidade de uso de capital político nas negociações para aprovação no legislativo.
A nova regra fiscal é positiva, pois fornece maior previsibilidade para a política fiscal da economia. Entretanto, temos uma mudança de narrativa: menor incerteza com as contas públicas para uma maior atenção às condições para o cumprimento das metas de superávit primário. A condução da política fiscal e as percepções dos investidores devem refletir, por exemplo, nas expectativas de inflação, importante sinalizador ao BC para fins de condução de política monetária.
A principal crítica à regra fiscal anterior era o contingenciamento de gastos no próprio exercício fiscal para cumprimento dos resultados fiscais, tornando-se restritiva frente à eventuais oscilações econômicas bruscas. Assim, a nova regra permite maior flexibilidade aos gastos no exercício, com impactos de bloqueio apenas no período seguinte. Adicionalmente, a adoção dos últimos 12 meses anteriores a julho de cada ano para fixação da receita (e, consequentemente, das despesas primárias) oferece menor rigidez para o cumprimento das metas.
O desafio das contas públicas e da trajetória da dívida pública depende da evolução das receitas e, por isso, as expectativas do mercado com relação ao aumento de carga tributária e/ou arrecadação, reforçado pelo otimismo do Ministério da Fazenda ao considerar equilíbrio das contas em 2024 e superávit primário, a partir de 2025. Assim, o Ministério da Fazenda deverá propor medidas econômicas e tributárias com foco na geração de receitas extraordinárias. Entretanto, a atividade econômica global apresenta desaceleração contratada e sincronizada para 2023, o que significa que o aumento de arrecadação não ocorrerá via crescimento econômico no curto prazo.
A tributação de apostas online, tributação de fundos de investimentos exclusivos, sonegação e renúncias fiscais são exemplos de medidas que, inicialmente, serão abordadas pelo Ministério da Fazenda. Estima-se que o fim de renúncias fiscais deve gerar R$ 400 bilhões por ano em arrecadação. O ponto de atenção é o risco do uso de receitas extraordinárias para suportar o crescimento de despesas com caráter permanente. Assim, reforça-se a importância da evolução da reforma tributária e administrativa, podendo apoiar a trajetória das contas públicas.