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Yes, degree

Por Taiguara Langrafe
Sem categoria | 10/08/2021
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Um movimento social recente, chamado de “non-degree”, advoga acerca da não necessidade de estudos formais no ensino superior para o desenvolvimento de carreira ou empreendedorismo no mercado de trabalho. São muitas lives, vídeos no Youtube, reels no Instagram com jovens que atacam o formato do ensino e da aprendizagem atual. Ponderam que podem desenvolver suas competências de forma autônoma, pela internet e com custos muito baixos e em muitas vezes sem nenhum.

Entendo que seja um fenômeno que mereça atenção e investigação profunda, em particular no atual contexto de muitos avanços na adoção de tecnologias de comunicação (em particular o uso de redes sociais), pela disponibilidade de dados de desempenho individual em testes e desafios (contexto de big data), desenvolvimento de ferramentas de machine learning e inteligência artificial e, infelizmente, pela situação da pandemia da COVID-19.

Modelo atual em xeque (mate?) 

O clichê que compara a sala de aula de 100 anos atrás com a atual como crítica da não evolução de métodos de ensino e aprendizagem serve como introdução. De lá para cá, muito se aprendeu sobre os processos de ensino e aprendizagem, mas muitas escolas (em todos os níveis) mantiveram a repetição de procedimentos adotados por gerações anteriores. No geral, Professores praticam a docência replicando técnicas preferidas que observavaram seus Professores praticando quando Estudantes. E nisso reside um problema, identificado e que tem gerado uma resposta consistente, mas não para todos, quanto a técnicas de ensino e aprendizagem: as metodologias ativas.

Antes de tratar das metodologias ativas, revisitemos a questão dos Professores, da repetição de práticas e do problema nessa abordagem. Utilizarei o meu exemplo: quando criança, eu descobri, pelo azar de ter tido uma doença que me afastou da escola por seis meses, que eu aprendia muito mais lendo sozinho os conteúdos indicados pelos Professores e depois conversando com a minha amiguinha que levava o material para a minha casa do que na sala de aula. Talvez aquele momento em que eu tinha 11 anos de idade tenha sido o de melhor desempenho acadêmico da minha vida. Devo replicar tal experiência para com todos os estudantes com quem trabalho a aprendizagem? Evidentemente que não. Temos perfis psicológicos e estilos de aprendizagem diferentes.

Alguns de nós aprendemos mais observando uma aula expositiva, anotando e refletindo (sim, o tal do modelo superado funciona para muita gente, mas não para todos); há os que aprendem mais experimentando, tentando, errando e aprendendo com os erros, com a mão na massa; há os que precisam estar em grupos, interagindo com outras pessoas, experimentando emoções, discutindo e construindo significados; há os que gostam de exercícios, de ver teorias acontecendo, de sessões práticas e aplicadas. São muitas as possibilidades e certamente nossos estilos de aprendizagem misturam as possibilidades com diferentes ponderações.

Eis aí o desafio de adaptação do modelo atual e que muitos ao redor do mundo estão tentando: a aplicação de métodos ativos de ensino e aprendizagem, nos quais os estudantes saem da postura passiva de assimiladores de conteúdos para a de protagonistas da aprendizagem, no qual os cursos e suas atividades são programados para que todos os estilos de aprendizagem sejam contemplados.

Novas tecnologias apoiando as mudanças e gerando muitas dúvidas 

Pois bem: agora nós, Professores, no lugar de irmos à sala de aula para falar por uma hora e quarenta sobre determinado tema, temos o desafio de planejar o aprendizado dos estudantes de acordo com múltiplos perfis de aprendizagem e minuto a minuto – incluindo modelos alternativos de avaliação à prova com questões de múltipla escolha e dissertativas.

Tal transformação está acontecendo em Universidades e Escolas ao redor do mundo, com velocidades e resultados díspares; das Ciências Exatas às Ciências Sociais, muitos pesquisadores e interessados estão experimentando modelos e técnicas.

Tal complexidade traz para o debate um potencial otimizador: a machine learning e a inteligência artificial. Que tal um algoritmo que entenda você por meio de terabytes de seus hábitos em redes sociais, compreenda com grande acurácia o seu estilo de aprendizagem, avalie seu desempenho e programe atividades para que você aprenda mais? Tentador. Mas é algo que ainda carece de discussões.

Como uma ferramenta de IA avalia sua competência social de reunir pessoas e convencê-las acerca de ideias? E quem define os objetivos de aprendizagem? Qual a curadoria de conteúdos? Quais os limites éticos quanto ao aprendizado desenvolvido? Remetendo a um erro histórico da humanidade, um nazista tinha aprendido e percebia total significado nas atrocidades que praticava.

Retomando a questão dos estilos de aprendizagem: todos aprendem por meio de dispositivos eletrônicos? Onde fica o espaço para o contato humano real? Como fica a questão da socialização e do significado compartilhado?

A pandemia trouxe reflexões importantes 

Como disse Aristóteles alguns milênios atrás, a virtude está no caminho do meio. Antes da pandemia, vivíamos uma onda do “fim das escolas” e “o Youtube resolve tudo”. Agora ouvimos a grita do retorno às aulas e do impacto negativo que o fechamento de escolas e universidades gerou e irá gerar por anos e anos.

Nem todos têm acesso à tecnologia, é verdade; mas, mesmo entre os que têm acesso completo, nem todos têm motivação e técnica para aprender sozinho ou por meio de tecnologia. Em algumas etapas do processo de aprendizagem, um vídeo do Youtube pode ser importante? Sem dúvida. Mas o tempo todo? Muitas dúvidas.

A educação a distância foi desmistificada. Estudantes e Professores do mundo todo passaram em certo grau pela experiência e tiveram seus juízos de valor sobre a modalidade de ensino e aprendizagem. Como em tudo, ocorreram atividades de alta e de baixa qualidade. O importante é que a modalidade adentrou o tecido social para ser utilizada com mais propriedade. De minha vivência e círculo social, surgiram fãs da modalidade na mesma proporção que haters. Que tal o caminho do meio?


O Papel das Escolas e Universidades 

Retomo o argumento do caminho do meio e o ponto introdutório do texto: o movimento “non-degree”. Muitos de nós trabalhamos e vivemos sob o ideal do desenvolvimento humano e de que os estudantes atinjam um nirvana acadêmico, normalmente chamado de “capacidade de autoaprendizado”. É possível que, para o exercício profissional, muitas pessoas optem pelo caminho do autoaprendizado, seja acessando conhecimentos por meio de livros impressos ou nanodegrees  online. Mas tais pessoas atingiram o nirvana?

É bem possível que sim. Como já mencionado em diferentes livros recentes sobre futurologia, o futuro das profissões tende a ser menos regulado e mais voltado para competências certificadas do que diplomas, acessíveis por meio de programas específicos de formação para estudantes com capacidade de autoaprendizagem; e que tal capacidade está se tornando cada vez mais díspar, em um mundo de extremos: de um lado pessoas sem acesso à educação básica ou com acesso a escolas de baixa qualidade, nas quais os temas aqui postos não chegaram; e do outro pessoas cujos pais tiveram ensino superior, têm patrimônio e renda, na infância tiveram escolas com métodos de ensino baseados em projetos e propósito de vida, aulas de judô, karatê, natação, artes, tiveram experiências internacionais, são no mínimo bilíngues e agora, após todo esse investimento e background, sentem-se confiantes para dizer não para o sistema de ensino superior e seguir o caminho da autoaprendizagem para desenvolver uma profissão.

Entendo que mesmo a pessoa abastada do segundo caminho tem mais a ganhar ao adentrar o sistema de ensino superior. Que se pesem as críticas (nada é perfeito), as instituições de ensino são hubs de pessoas interessadas em aprender e desenvolver competências sobre determinado campo do conhecimento. É uma festa na qual interagimos, construímos, convergimos, divergimos, damos sentido e propósito às nossas ideias; praticamos a paciência, a compartilhar espaços e a construir conjuntamente. E o que julgo principal: validamos as ideias perante o método científico.

Yes, degree 

Por meio do método científico praticado por pesquisadores no mundo todo, chegamos ao nosso estágio tecnológico de hoje. Diversos avanços na medicina foram desenvolvidos em laboratórios de universidades; softwares e hardwares (o exemplo mais presente hoje em nossa vida é o Google, desenvolvido a partir de um projeto de pesquisa de dois doutorandos); de visitas espaciais ao desenvolvimento de superprocessadores, a presença de egressos de programas de alto nível é dada como certa.

Caso tenhamos a curiosidade de utilizar o Google para verificar o estilo dos Gestores de Startups de sucesso, a presença de formação em Gestão em Instituições de alta reputação é absolutamente comum. Por detrás de todo esse desenvolvimento, o método científico: sim, há uma liturgia de formação para que certas pessoas, após passarem por um processo científico de formação, recebam ao fim uma “faixa preta”: o título de Doutor. E passam a estar mais bem habilitados a lidar com o mundo e os problemas utilizando-se do método científico. Uso de lógica, construção e validação de premissas, teste de hipóteses, comprovação de conclusões mediante escrutínio de outros especialistas, construção e reconstrução do conhecimento.

E, no geral, são as pessoas que passaram por esse processo que formam as escolas e as universidades. Não é uma prerrogativa exclusiva, mas é a fotografia na nossa organização social de hoje e de ao menos desde 1088, ano de fundação da Universidade de Bologna – hubs que reúnem apaixonados pelo conhecimento. Todos com seus méritos e imperfeições. Aos que aderiram ao movimento “non-degree”, um convite: que tal fazer parte e ajudar na construção?

A mensagem hoje emitida pelos que advogam pela não formação pode estar sendo percebida de forma equivocada por pessoas que poderiam colaborar muito com a nossa sociedade ao terem uma formação. E, sendo extremamente pragmático, colaborar consigo próprio.

O Brasil é um dos países com maior prêmio por ano de formação no mundo (como pano de fundo, temos uma renda média muito baixa e heterogênea). Cada jovem que não tem as condições do jovem abastado antes citado, ao ter uma formação, tende a se tornar mais útil, a ter uma vida mais rica de significado e chegar à condição de autoaprendizado. Quer com formações mais curtas, quer com mais longas. Mas aprender é fundamental.

Por fim, uma frase que precede o mundo VUCA, BANI, disruptivo ou qualquer outro adjetivo ou acrônimo histericamente utilizado em apresentações de Powerpoint pelo mundo: “A única constante é a mudança”. A frase é de Heráclito, escrita há mais de dois milênios. A mudança é certa, sempre foi e sempre será. Lidemos com naturalidade, sabedoria e em prol do bem comum. O mundo muda, as organizações mudam, o mercado muda, as Universidades mudam.

Yes, degree. Faz bem demais. Eu mesmo já fiz Mestrado, Doutorado e não vejo a hora de aprender mais com pessoas que também amam o conhecimento e a ciência.

Vice-reitor da FECAP integra comissão de avaliação da ANUP

Taiguara Langrafe

Vice-Reitor da FECAP

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