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Recursos Humanos: a eterna perspectiva de ser estratégico

Por Jésus Gomes e Luíza Abrantes
Sem categoria | 02/03/2021
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O desenvolvimento de uma área de Recursos Humanos (RH) com visão e atuação estratégica tem sido uma das principais preocupações das pesquisas e das práticas organizacionais brasileiras desde o início dos anos 1990. A área de RH deveria se mover da tradicional função de suporte administrativo para atuar na linha de frente das organizações, liderando mudanças, formando executivos e apoiando as estratégias do negócio.

Gestores de RH alinhados à Missão, Visão e Valores da organização, hábeis para atuarem como estrategistas das políticas de pessoal, preparando os demais gestores para conduzir as suas equipes e desdobrar as diretrizes estratégicas em suas respectivas áreas foram a tônica durante esses trinta anos.

Foram? Vejamos.

Responda rápido: A área de RH da sua empresa responde diretamente ao CEO (principal executivo)? Quantas vezes nos últimos cinco anos o líder da área de RH da sua empresa foi convidado para fazer apresentações para o board de gestão? Quantas vezes nos últimos 12 meses o CEO da empresa (ou membros do C-suite) buscou se aconselhar com o executivo de RH da sua empresa antes de tomar uma decisão estratégica? Quando os profissionais de RH da sua empresa reúnem para discutir as práticas do setor, as suas preocupações se concentram mais em encontrar maneiras de copiar os concorrentes ou em proteger as iniciativas contra os imitadores?

Em muitas empresas (na maioria delas, provavelmente) as áreas de RH não alcançaram o objetivo de tornar-se estratégica. E agora?

Um dos impactos mais relevantes da Covid-19 foi indubitavelmente a ruptura da rotina de trabalho. Os impactos na forma de trabalhar foram significativos e as organizações precisaram se adaptar. O trabalho remoto avançou e da noite para o dia os colaboradores tiveram que aprender novas formas de interação, de disseminação de informações e disponibilização de dados por meios até então jamais utilizados. Novas plataformas começaram a fazer parte do dia-a-dia de quem trabalhava apenas com o preenchimento de planilhas e formulários (digitais ou impressos).

E as áreas de RH o que fizeram durante esse período? Muitas permaneceram nas funções de back-office, focadas nas mundanas tarefas administrativas, tais como folha de pagamentos, compensações e planos de benefícios. Apenas algumas poucas foram capazes de ir além, mantendo contato frequente com os colaboradores e fazendo inventários de sentimentos e situações que demonstravam a saúde de seus trabalhadores. Menos ainda foram aquelas que juntamente com o C-suite level definiram estratégias para a retomada das atividades após o afastamento social.

Uma atuação estratégica consiste em focalizar as ações do RH na garantia do sucesso organizacional. Isso implica transcender as operações de demissões, negociações, suspensões e reduções de salário, instrumentos relevantes para a sobrevivência do negócio, mas que já estão no passado.

Dado o fato de que muitas pessoas estarão em atividades remotas, distantes, portanto, do convívio social presencial, o foco das políticas de RH agora deve ser colocado no cuidado e na humanização, como por exemplo, na atenção ao clima organizacional, na avaliação contínua da eficiência operacional remota e nos custos envolvendo a saúde física e mental dos colaboradores.

A desburocratização de processos e a otimização de tempos merecem um olhar especial. As áreas de RH devem liderar o processo de preparação das empresas e das pessoas para o estabelecimento de rotinas e a delimitação clara de fronteiras entre a vida familiar privada e o trabalho. Afinal, as pessoas em trabalho remoto devem ter horários para responder às demandas da empresa e não estarão à disposição 24 horas por dia para receber contatos extemporâneos por e-mails, whatsapp e outros dispositivos móveis.

A preparação dos colaboradores remotos quanto aos cuidados com a ‘infodemia’[i] e fake news é também papel do RH. A área deve preparar os colaboradores para usar sites confiáveis, que não permitam invasão dos celulares, e-mails e outros dispositivos móveis.

A formação de times de solução de problemas será sempre melhor que as iniciativas individuais. Para isso o profissional de RH deve formar grupos online com outros profissionais da área – inclusive de empresas concorrentes. O objetivo aqui é a troca de informações com profissionais que estão passando pelas mesmas situações para compartilhar experiências ou simplesmente desabafar.

A cobrança sobre a área de RH será cada vez mais intensa. Sua atuação deverá ser capaz de tornar a organização mais aberta à mudança, mais ágil e digital, mais humanizada e mais próxima dos colaboradores, mesmo em trabalho remoto. O empowerment das pessoas em trabalho remoto, o lifelong learning e a auto aprendizagem online[ii] tomam importância estratégica.

O que fazer, então? Busque os aprendizados que melhorem o seu entendimento das necessidades dos novos mercados e esteja preparado para apoiar a alta administração na inovação em produtos, serviços e processos. Atue no desenvolvimento da cultura organizacional, focalize a realização resiliente de metas, participe de redes de compartilhamentos com stakeholders críticos e fortaleça os vínculos com as diferentes áreas da organização.

A saúde física e mental dos colaboradores remotos deve ser uma preocupação central da área de RH. O sentimento do trabalho solitário pode diminuir a produtividade e levar à percepção de desprezo ou de que são discriminados por parte dos colaboradores presenciais. Cabe a área de RH desenvolver ações que promovam a interação dos diferentes setores e profissionais, remotos e presenciais, para que tomem decisões em conjunto que mitiguem intrigas, disputas e previnam a discriminação.

A seleção de novos colaboradores precisa levar em conta essa nova realidade. Muitos desempenharão as suas atividades já de forma remota desde o início. Avaliar o perfil, entrevistar, realizar dinâmicas e contratar de forma digital não são novidades. Entretanto, a utilização desses métodos de forma massiva, sim, constitui algo inédito. Um levantamento da Catho[iii] constatou que 57% dos profissionais de RH estão confiantes em uma retomada positiva nos próximos meses e 50% acreditam na efetividade do processo seletivo virtual. Entre os métodos mais utilizados para realizar o recrutamento virtual estão as vídeo-chamadas (79%), telefonemas (63%), e-mail (33%), SMS (7%) e WhatsApp (2%). Para manter o fluxo de trabalho são utilizadas ferramentas de comunicação (80,5%), reuniões periódicas (50%), compartilhamento de documentos via nuvem (45%), ferramentas de gestão (21%) e treinamentos profissionais (15,5%).

Uma série de atividades podem ser implementadas pela área de RH com o objetivo de melhorar o sentimento de pertencimento e promover o bem-estar coletivo. Entre as muitas atividades que identificamos, estão café matinal, almoço em grupo e happy hour digitais. Há empresas que promoveram o momento Pet, em que os colaboradores fizeram pausas no trabalho para ficarem com seus bichinhos de estimação; Momento Kids, para brincarem e curtir os filhos; Momento Família, para terem tempo de qualidade com todos aqueles que convivem na casa e a Sala Virtual, que proporciona um momento de interação com toda a equipe de trabalho em algum momento do dia.

Para a McKinsey, a perspectiva estratégica para a área de recursos humanos chegou ao seu ponto de virada. O trabalho remoto inesperado forçou o desenvolvimento de habilidades comportamentais (soft skills). A retomada pós Covid-19 exigirá que o RH vá além. Nossas dicas são:

·        Trabalhe junto com as outras áreas para compreender o cenário vivido pela organização e identificar oportunidades de mudanças;

·        Analise o cenário de diversos ângulos, considerando os comportamentos, as tendências internas e externas;

·        Entenda o potencial das tecnologias disponíveis (sem se perder no hype), reavalie os processos internos e atualize os métodos;

·        Repense os benefícios (faça pesquisas) e entenda como motivar e reter os talentos em tempos de escassez e separação física;

·        Tome decisões com base em fatos e dados, busque novos conhecimentos, qualifique os profissionais em temas como gestão do tempo e produtividade.

As mudanças serão intensas extensas. E elas não nos deixam muitas margens para serem antevistas. A permanente simulação de cenários é a melhor maneira de se evitar sermos engolidos pelas transformações em curso.

Decisões sobre os modelos de gestão do trabalho implica conhecer as alternativas disponíveis. Aqui oferecemos um glossário com as principais alternativas:

·        Trabalho remoto: forma de trabalho na qual os funcionários realizam as suas tarefas habituais de trabalho em casa, usando mídias eletrônicas para se conectar com outras pessoas em nome da organização. No Brasil, consagrou-se a expressão home office para designar o trabalho remoto. Alertamos, entretanto, que essa expressão não será encontrada em documentos internacionais com o mesmo significado. Nos Estados Unidos e na Inglaterra home office significa qualquer espaço que se tem em casa para fazer trabalhar. Quando se trabalha a partir de casa para a empresa emprega-se o termo ‘working from home’ ou ‘telecommuting’; na França a expressão que designa o trabalho a partir de casa é ‘Télétravail’.

·        Home office: trabalho executado em um local da residência reservado para o exercício de atividades profissionais. Pode-se trabalhar para uma ou mais empresas, cumprindo jornada parcial ou integral.

·        Centro compartilhado ou coworking: trabalho desenvolvido em centros colaborativos providenciados pela própria empresa, com a infraestrutura necessária para a execução das atividades.

·        Trabalhador de campo: condição na qual o colaborador desempenha as suas funções em qualquer lugar, como em hotel, praça de alimentação de um shopping ou mesmo no automóvel.

·        Teletrabalho em equipes transacionais: equipes multidisciplinares, em reuniões presenciais ou remotas, sempre desenvolvendo os trabalhos em diferentes locais, como na residência, campo ou no cliente.

·        Times virtuais: tipo de equipe que usa a tecnologia para fazer a conexão entre pessoas geograficamente dispersas.

Em situações de emergência, como a que vivemos, a adoção do trabalho remoto é temporária e pode prescindir de providências formais, desde que respeitados os limites estabelecidos na legislação trabalhista e no contrato de trabalho. Entretanto, nestas circunstâncias, mesmo com o colaborador trabalhando em casa, o local contratual da prestação do serviço continua sendo a empresa. Já a adoção do trabalho remoto em caráter permanente requer a introdução de mudanças no contrato. Tais mudanças devem ser feitas por mútuo consentimento entre o empregado e o empregador e estabelecidas no contrato por intermédio de um termo aditivo.

Por quanto tempo mais a área de Recursos Humanos será apenas uma promessa de se tornar estratégica? O mundo que emerge após a pandemia criará oportunidades sem precedentes para uma atuação proficiente e proativa da área de RH. É hora de falar ‘de’ e não mais falar ‘sobre’.

Apesar dos muitos estigmas e mesmo preconceitos relacionados à área de RH, cresceu enormemente a percepção da sua importância para a prosperidade das organizações. Isso não se deu por acaso. Nos últimos anos, muitas pesquisas vêm demonstrado que o talento humano é o fator mais importante para o sucesso de uma organização. Jim Colins popularizou a frase: “first who, then what?[iv] (primeiro quem, depois o que?). Uma pesquisa da Universidade de Harvard demonstrou como esse princípio tornou-se uma verdade generalizada em organizações vencedoras. Se uma empresa não tem as pessoas certas no lugar certo, uma estratégia para atrair e reter talentos e para criar times dinâmicos de alta performance, então, essa organização estará muito próxima de um desastre[v].

A hora é agora.

Jésus Gomes

Mestre em Administração e Doutor em Ciências Sociais.

Professor e Pesquisador no Centro Universitário FECAP.

Consultor em Reestruturação e Competitividade.

Coordenador do Grupo de Estudos ‘A Vida das Ideias’.

Maria Luiza Marques de Abrantes

Mestre em Administração e Valores Humanos.

Professora do Centro Universitário Assunção UNIFAI

Psicóloga e Consultora Organizacional Sistêmica.

[i]O neologismo se refere à ‘pandemia’ de informações.

[ii]Lacerda, F. (2020). Bem-estar no trabalho: entenda a importância de um ambiente voltado às pessoas. Disponível em: https://beecorp.com.br/blog/bem-estar-no-trabalho/. Visita em: 14/06/2020

[iii] Botter, R. (2020). Diretora de Operações da Catho

[iv] Collins, J. (2001). Good to great: Why some companies make the leap and others don’t. New York: Harper.

[v] Harvard Business Review (2014). Idea Watch: Why Chief Human Resources Officers make great CEOs. December.

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