Por Cláudio Gonçalves dos Santos, professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)
Cabe contextualizar o problema, para que se possa entender o quadro geral e seus desdobramentos no Brasil e no Mundo.
O Presidente Donald Trump, apresentou na quarta-feira (2) de abril, um plano de tarifas comerciais que seguramente é o mais abrangente desde os acordos de Bretton Woods (1944), que definiram as bases para o comércio internacional, que mais tarde criou o GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (1947), atual OMC – Organização Mundial do Comércio (1995).
A proposta do Presidente Trump, batizada de “Liberty Day” (dia da liberdade), representa uma ruptura com a ordem econômica mundial e com o sistema multilateral de comércio que vem sendo promovido desde 1947, cujas forças dominantes são a globalização, o liberalismo, a redução do papel do Estado e o livre comércio.
A globalização aproximou países e possibilitou o estabelecimento de cadeias produtivas baseadas na eficiência. O fim da guerra fria, o desmoronamento da URSS (1991), a entrada da China na OMC (1991) e a concentração das cadeias produtivas para a China, foram os marcos da ordem criada em 1945. A volta da China como potência econômica e comercial no cenário global, traz o elemento geopolítico para a cena econômica.
Estamos diante de mudanças na ordem econômica mundial. Na nova ordem, a globalização e o livre comércio estão sob ataque, sendo substituídos por: segurança, soberania e poder. O mundo todo será impactado pelo pacote de tarifas do governo Trump, alguns países mais, outros menos.
Com o “Liberty Day”, os EUA passaram a retaliar tarifas caso a caso (sem intermédio da OMC) com base nas tarifas que cada país cobra dos produtos americanos. O conceito de “tarifa recíproca”, parte do princípio de equiparar as alíquotas de impostos. Por exemplo, se o país (A) cobra tarifa de 25,0% sobre um produto americano, os EUA aplicarão os mesmos 25,0% sobre o produto equivalente vindo do país (A). Essa medida ignora os aspectos técnicos do comércio internacional e rompe com os compromissos firmados em acordos multilaterais. Acredita-se que estamos observando o início de uma guerra comercial com desdobramentos de difícil previsibilidade. Segundo a Boomberg Economics, as medidas podem aumentar os preços nos EUA em 2,5% num horizonte de três anos. Mais inflação nos EUA, tem reflexos no Brasil pela via financeira. Para a Câmara de Comércio Americana para a União Europeia, um conflito comercial, pode colocar em risco US$ 9,5 trilhões no fluxo de comércio, afetando todas as cadeias de produtos a serviços.
O impacto sobre o comércio brasileiro acredita-se que seja relativamente limitado no curto prazo, visto que o Brasil exporta para os EUA bens intermediários e combustíveis. Nas importações o Brasil depende dos EUA para os segmentos de motores, máquinas, aeronaves e combustíveis. Isso não significa que o risco esteja descartado para outros setores. O Brasil cobra em média 11,3% sobre produtos importados dos EUA (dados de 2022), enquanto os EUA cobram em média 2,2% dos produtos brasileiros. Pelo conceito de “tarifa reciproca”, os produtos brasileiros exportados para as EUA serão taxados com tarifas reciprocas.
O pacote de tarifas do governo Trump, tem potencial para aumentar a insegurança global e elevar a inflação nos EUA, podendo forçar o FED (Federal Reserve) a manter a taxa de juros alta por mais tempo. Isso pode pressionar a moeda brasileira, encarecer o crédito e, como desdobramento, diminuir o espaço para o Banco Central reduzir a taxa básica de juros (Selic).
Sem considerar todos os impactos diretos às exportações, e desdobramentos internos, o Brasil será afetado diretamente com o encarecimento do financiamento externo, desvalorização cambial, aumento da inflação (IPCA) e mais tempo com juros no patamar de dois dígitos, o que encarece a rolagem do estoque da dívida pública, que já é elevada para um país em desenvolvimento. O crescimento acelerado da dívida pública tem provocado fortes debates sobre a capacidade de pagamento do país.
O tema coloca lenha na polarização de opiniões e divisão politica interna, dificultando o consenso para o debate qualificado do lugar no Brasil no mundo, diante de uma nova ordem econômica global.
Existe risco de uma recessão global? Sim. Vamos acompanhar os desdobramentos e possíveis mudanças de rota.
O autor: Cláudio Gonçalves dos Santos é economista, mestre em administração financeira e contabilidade, gestor de valores mobiliários e professor de pós-graduação na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP). Sócio da Planning, atua com assessoria financeira e valuation.