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No início dos anos 2000, mesmo com pouco conhecimento e experiência, comecei a apoiar pequenos empresários, tentando contribuir para o sucesso de seus empreendimentos. Sentindo na própria pele (eu já empreendia na época) a dificuldade de manter um negócio saudável e com algum conhecimento prático, resolvi contribuir da forma que eu pudesse. Desde então, passei a observar mais de perto as adversidades que se apresentam a todo e qualquer empreendimento. E não são poucas: falta de caixa, falta de conhecimento técnico, problemas na gestão de pessoas, atrasos de fornecedores, tributação, dentre tantas outras questões.
Ainda hoje, quase duas décadas depois, acho curioso como muitas pessoas carregam uma visão romantizada da atividade empreendedora. Também é comum eu escutar que o empreendedor vai enfrentar um campo de batalhas, que ele vai brigar por um espaço no mundo dos negócios. Infelizmente, a realidade não é bem essa. Em muitos casos, o recém empresário não consegue sequer brigar e defender-se, pois ele não tem consciência da “guerra”.
É o que aconteceu com João. O sonho de sucesso falou muito alto e ofuscou os desafios que ainda seriam enfrentados. João foi atropelado por um conjunto de obrigações acessórias, por clientes, por funcionários, por sindicatos e fiscais, e tantas outras questões operacionais que consumiram suas energias. Nesse dinâmica cotidiana, João não conseguiu desempenhar outra atividade além de apagar as fogueiras diárias. Apesar de seu esforço, ele não deu conta da velocidade dos negócios e naufragou.
João investigou suas economias em busca de oferecer melhores condições para sua família. Acreditou em um futuro mais próspero e se agarrou na expectativa de que tudo daria certo. Infelizmente, não deu…
João é um personagem fictício, mas representa uma situação rotineira no Brasil. Por aqui, é notável o ímpeto empreendedor da população, mas, infelizmente, grande parte das iniciativas ocorre por necessidade e não por oportunidade. É uma espécie de empreendedorismo “forçado”, que empurra as pessoas a abraçar um negócio próprio como alternativa ao desemprego. Abraça-se o desconhecido, iniciando uma aventura em terreno desconhecido, por uma questão de sobrevivência. Juntam seus recursos (muitas vezes a economia de uma vida ou o FGTS acumulado após anos de trabalho com carteira assinada) e iniciam uma jornada com base na fé de que tudo dará certo.
Claro que há casos de sucesso. E fico muitíssimo feliz quando me deparo com narrativas bem sucedidas. E quando falo de sucesso, não significa que a pessoa ficou milionária ou que construiu um império. O sucesso é relativo (e subjetivo) e pode representar a capacidade de pagar as contas em dia e proporcionar dignidade a uma família, por exemplo. Pode também significar a viabilização do estudo superior dos filhos ou mesmo a acumulação de bens materiais. Não podemos medir o sucesso apenas com uma régua.
Mas infelizmente, o volume de narrativas de insucesso é grande. Particularmente, não acho que um projeto mal sucedido seja questão de vergonha, longe disso (e aqui cabe uma breve reflexão, que já desenvolvo). O que é preocupante são as estórias do Joãos e Marias, em que o patrimônio é delapidado e não se atinge um patamar minimamente sustentável no negócio. Esse tipo de desdobramento é trágico para quem o vivencia, mas também é nocivo e perigoso para toda a sociedade e para a economia do país.
Voltando à reflexão que eu mencionei sobre projetos mal sucedidos, meu comentário é sobre a ideia que muitos de nós temos sobre o “erro”. Normalmente, sentimos vergonha de um resultado que não foi positivo. Escondemos o ‘insucesso’, divulgamos apenas o sucesso. Todas as trajetórias de sucesso são histórias de pessoas que deram certo que, muitas vezes, omitem os escorregões e as quedas delas. São narrativas que se limitam ao período a partir do qual houve tração (momento em que o projeto começa a funcionar bem).
Precisamos mudar essa postura. O erro pode ser um importante objeto de aprendizagem. Refletir sobre o que deu errado, analisar o que poderia ser aprimorado e compreender como o contexto influenciou o que se queria que acontecesse é muito importante. São raras as oportunidades para discutirmos o “erro” e o “fracasso”, mas elas não devem ser menosprezadas. Arrisco dizer que a análise do que não funcionou bem pode ser mais enriquecedora do que a análise do sucesso. Essa mudança de postura já começa a ganhar força, mas ainda é muito tímida. Para aqueles que dominam o idioma inglês, sugiro a leitura do livro Fail fast, fail often.
Veja, a relação é total. Planejamento não significa eliminação de risco. Isso é algo que sempre reforço com meus alunos e clientes. Não há como eliminar toda a incerteza da nossa vida (ainda não…). Quem se aventura a planejar com esse foco percorrerá uma estrada sem fim. Há um ditado iídiche que ilustra bem essa questão: “O homem planeja e Deus ri.”
O planejamento tem como objetivo reduzir os “inesperados”: uma oportunidade que surge e não se consegue agarrar por falta de algum recurso; um concorrente que entra no mercado e atende melhor os consumidores; um produto substituto com tecnologia ou proposta mais moderna; um descompasso de caixa que empurra a empresa para o endividamento… são todas situações realistas e rotineiras.
Claro que surgirão outros “inesperados” (situações que não foram reconhecidas durante a análise), assim como podem surgir situações totalmente atípicas e avassaladoras como um tsunami, um terremoto, uma pandemia, uma crise econômica mundial… mas isso faz parte do risco de cada negócio. Vivemos em um mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo), no qual a única certeza e a inconstância. Há quem prefira a expressão mundo BANI (frágil, ansioso, não-linear e incompreensível), que destaca ainda mais a complexidade do momento.
O comportamento humano mudou: como consumimos, como nos relacionamos com as marcas, como nos relacionamos com nossos amigos e familiares… e isso não é só reflexo da pandemia. Em 1999, Zygmunt Bauman já falava sobre a efemeridade das relações, sobre a modernidade líquida. De lá para cá, as tecnologias exponenciais e a internet (e as redes sociais), apesar de maravilhosas, potencializaram essas mudanças.
A questão, portanto, é buscar dados que nos permitam compreender melhor os possíveis cenários futuros. E essa é a função do planejamento de marketing: ajudar o empreendedor a interpretar todas as variáveis relevantes do seu ambiente de marketing e avaliar seu impacto sobre suas atividades. As variáveis de marketing são clientes, concorrentes, fornecedores, a economia e a tecnologia, por exemplo, assim como a própria estrutura da organização (suas forças e fraquezas). A partir desse diagnóstico inicial, chamado de análise da situação, pode-se alinhar recursos/competências às situações de mercado com mais clareza e fundamentação. Com isso, é possível defender-se de ameaças e aproveitar oportunidades. Isso vale para todo o perfil de organização: atue ela no mundo tradicional (físico), no universo digital ou mesmo para aquelas que possuem estrutura omnichannel.
Se você nunca fez esse tipo de análise, recomendo que busque o apoio de algum especialista. Pode ser um parente, um consultor ou mesmo instituições como o SEBRAE. Na internet também há vasto conteúdo sobre o tema, mas cuidado com a qualidade do conteúdo. Seguir um mapa ruim pode te levar a lugares perigosos. Esse suporte é importante, pelo menos no início. Além de consumir tempo, o levantamento e a análise de dados não são atividades triviais.
Consultor e pesquisador em Marketing, Comportamento do Consumidor e Planejamento Estratégico.
Palestrante e professor em cursos de graduação e coordenador do MBA em Gestão de Negócios.
Profissional poliglota com forte experiência em estruturação e planejamento estratégico para pequenas empresas, com atuação transversal na gestão incluindo as áreas financeira, operacional e de marketing, bem como a mensuração de resultados tangíveis. Mantém interesse profissional por projetos relacionados à estratégia de marketing e pesquisa de mercado, nos quais possa realizar seu potencial intelectual e desenvolver suas habilidades.
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