Por Rafael Barisauskas, publicado originalmente na revista FECAP Agribusiness Insights
O Brasil está diante uma oportunidade histórica: transformar sua vocação ambiental em liderança econômica global. Com a regulamentação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), aprovada em dezembro de 2024, o país dá um passo decisivo rumo à consolidação de um mercado de carbono robusto, transparente e alinhado às melhores práticas ESG internacionais. A criação de um arcabouço legal claro e previsível é um passo fundamental para garantir segurança jurídica e atrair investimentos de longo prazo.
Compreender as mudanças institucionais que moldam esse novo ambiente regulatório é essencial para que empresas e formuladores de políticas possam alinhar estratégias de desenvolvimento econômico com os objetivos climáticos, beneficiando a todos os stakeholders das cadeias produtivas.
Inspirado em modelos bem-sucedidos como o da União Europeia, o SBCE estabelece um teto anual decrescente para emissões de gases de efeito estufa (GEE) em setores intensivos, como energia, indústria e transporte. Empresas que emitirem abaixo de suas cotas poderão vender créditos excedentes, enquanto aquelas que excederem precisarão comprar licenças adicionais para compensar.
Além disso, atividades como reflorestamento e captura de carbono poderão gerar créditos compensatórios, ampliando a oferta e incentivando práticas ainda mais sustentáveis. Isso deve criar um ambiente de negócios dinâmico, onde a eficiência ambiental se traduz em vantagem competitiva nacional. Estima-se que o mercado brasileiro de carbono possa gerar entre R$69-128 bilhões em receitas até 2030, além de atrair investimentos em inovação e tecnologias limpas. Os benefícios econômicos do mercado de carbono vão além da mitigação climática. Segundo o Ministério da Fazenda, a implementação do SBCE pode elevar o PIB brasileiro em até 2,25% até 2030, gerando 1,5 milhão de empregos adicionais.
Em paralelo ao avanço regulatório no Brasil, o mercado global de créditos de carbono também vem se expandindo e se sofisticando. O mercado voluntário de carbono (VCM) continua sendo o principal canal de transações, com grandes corporações globais como Meta e Amazon liderando a compra de créditos para compensar suas emissões. Apesar de uma queda de 27,5% na emissão de novos créditos no primeiro trimestre de 2025, segundo dados da Systemica, observou-se um aumento expressivo na demanda por créditos de alta integridade — aqueles com rastreabilidade, adicionalidade e cobenefícios sociais e ambientais.
Apenas nos primeiros três meses de 2025, mais de 55 milhões de toneladas de CO2 equivalente foram efetivamente negociadas, demonstrando o apetite crescente por compensações, de acordo com a Systemica. Esse cenário global cria uma janela de oportunidade estratégica para o Brasil, que reúne condições únicas para se tornar um dos maiores fornecedores de créditos de carbono do mundo.
Assim, a sanção da Lei 15.042/2024 e a criação do SBCE posicionam o país como um hub de soluções agrícolas e climáticas, com potencial para atrair investimentos estrangeiros e gerar divisas. Além disso, o fortalecimento do mercado de carbono estimula o desenvolvimento de instrumentos financeiros sustentáveis, como títulos verdes, linhas de crédito para agricultura regenerativa e financiamento climático, ampliando o impacto positivo sobre a economia nacional.
Segundo relatório do Banco Mundial, o valor total das transações em mercados regulados e voluntários de carbono atingiu cerca de US$ 978 bilhões em 2023, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. Paralelamente, o mercado global de títulos verdes superou a marca de US$ 2,5 trilhões em emissões acumuladas, com destaque para projetos de energia renovável, infraestrutura sustentável e agricultura de baixo carbono.

As mudanças no uso da terra, sobretudo o desmatamento e a agropecuária concentram a maior parte das emissões no Brasil, o que destaca o papel crítico da conservação florestal, do manejo sustentável e da agricultura de baixo carbono. Apesar do setor agropecuário ter ficado de fora da regulamentação do mercado de carbono no Brasil, isto não limita o seu potencial gerador de créditos compensatórios e soluções econômico-climáticas.
A rentabilidade do mercado de carbono brasileiro tende a ser altamente competitiva em relação a outros mercados emergentes. Estudos recentes estimam que o preço médio do crédito de carbono de alta integridade pode variar entre US$ 15 e US$ 50 por tonelada, dependendo do tipo de projeto e da metodologia empregada. Considerando o potencial de emissão de créditos, o Brasil poderia gerar receitas anuais entre US$ 6 e US$ 15 bilhões, apenas com a comercialização internacional. Esta dinâmica representa uma fonte de divisas importante, contribuindo para o equilíbrio da balança comercial e para a diversificação do portfólio de exportações nacionais.
A adoção de sistemas integrados como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) tem se mostrado uma estratégia eficaz para aliar produtividade agropecuária à mitigação de emissões. Além de aumentar a eficiência do uso da terra, o sistema contribui para o sequestro de carbono, a conservação do solo e da biodiversidade, e a redução do uso de agroquímicos.
Segundo a Embrapa, propriedades que adotam ILPF podem registrar aumento de até 30% na produtividade e redução de custos operacionais em até 20%, além de obter receitas adicionais por meio da geração e venda de créditos de carbono. Um hectare sob ILPF pode gerar, em média, de 2 a 4 toneladas de CO2 equivalente em créditos por ano. Mais do que isso, estima-se que a expansão da prática ILPF possa evitar a emissão de até 10 milhões de toneladas de CO2 equivalente por década enquanto melhora a rentabilidade do produtor rural. Tais sistemas ainda elevam a resiliência do produtor ao risco climático, ampliando a rentabilidade e a atratividade do investimento.
De modo complementar, a socio bioeconomia da floresta em pé — baseada no uso sustentável de produtos florestais não madeireiros e na valorização de serviços ecossistêmicos — representa uma fronteira promissora para a geração de créditos de carbono e inclusão produtiva. O fortalecimento de cadeias como a de óleos vegetais, castanhas, resinas e extratos naturais pode gerar renda para comunidades tradicionais e indígenas, ao mesmo tempo em que contribui para a conservação da Amazônia e outros biomas.
Segundo estudo do IPEA (Zenaide Rodrigues Ferreira e José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho), o uso de tecnologias sustentáveis na agropecuária, como sistemas integrados e práticas poupadoras de floresta, pode gerar um “efeito poupa-florestas” significativo, contribuindo para a redução das emissões do setor e promovendo uma trajetória de sustentabilidade ambiental. Esse indicador mede a área de vegetação nativa que deixou de ser convertida em uso agropecuário graças ao aumento da produtividade via tecnologias sustentáveis — como ILPF, plantio direto e genética avançada — e demonstra o potencial da agropecuária brasileira em reduzir emissões sem comprometer a produção. Somente em 2020, o efeito poupa-florestas no Brasil alcançou 43,2% do território nacional, o maior entre os países agroexportadores analisados, como Alemanha, França, Índia e Estados Unidos.
No setor florestal, o Brasil possui cerca de 9 milhões de hectares de florestas plantadas, que já respondem por mais de 90% da madeira produzida para fins industriais no país. O valor presente líquido (VPL) de um ativo florestal certificado pode superar R$ 20 mil por hectare ao longo de um ciclo de 7 anos, considerando receitas provenientes de madeira, biomassa, créditos de carbono e outros serviços ecossistêmicos. A rentabilidade média anual do setor tem sido de 12%-18% em projetos florestais integrados a mercados de carbono, evidenciando o apelo econômico dessas iniciativas. O setor também é responsável por uma absorção líquida estimada de 1,8 bilhão de toneladas de CO2 e, segundo dados do Developing Forest Based Industries, o que demonstra o potencial para liderar soluções climáticas com impacto econômico e social.
Assim, o setor florestal brasileiro e empresas do segmento de papel e celulose estão estrategicamente posicionados para se beneficiar desse novo cenário regulatório e financeiro. Empresas com ativos florestais certificados e práticas de manejo sustentável poderão monetizar seus estoques de carbono, diversificando receitas e reforçando sua imagem ESG. Na ponta final da cadeia, a crescente demanda por embalagens sustentáveis e a pressão regulatória internacional — como o EUDR na Europa — ampliam o espaço para soluções baseadas em fibras renováveis e rastreáveis.
Já os setores de energia e indústria, embora com menor participação, oferecem oportunidades significativas de descarbonização via eletrificação, eficiência energética e inovação tecnológica. O papel do mercado de carbono deverá ser de vetor de desenvolvimento sustentável, capaz de alinhar crescimento econômico, inclusão social e preservação ambiental.
A evolução institucional do mercado de carbono brasileiro será determinante para sua credibilidade internacional e para a integração com mercados globais, o que exige governança sólida, transparência e capacidade de enforcement. Para que o mercado brasileiro de carbono atinja sua maturidade, será essencial garantir governança transparente, mecanismos de verificação robustos e integração com mercados internacionais. A criação de um registro nacional de créditos, interoperável com plataformas globais, é um passo necessário para atrair investidores e consolidar o Brasil como hub de soluções climáticas.
Assim, o mercado de carbono não é apenas uma ferramenta de mitigação — é uma alavanca estratégica para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Com ativos naturais únicos, capacidade técnica instalada e um novo marco regulatório em vigor, o país tem tudo para liderar a transição para uma economia de baixo carbono. Cabe agora ao setor produtivo, aos formuladores de políticas e à sociedade civil transformar essa oportunidade em realidade, e fazer uso da enorme vantagem competitiva que o Brasil tem no mercado ambiental para consolidar sua posição como líder global em soluções climáticas e econômicas.
O autor: Rafael Barisauskas é professor de Economia na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP). Ingressou na Fastmarkets em 2019 como economista para a América Latina, analisando os mercados regionais de celulose, papel e embalagens, além da cobertura econômica para a região. Rafael trabalha com projeções econômicas desde 2013, acumulando um vasto conhecimento em comércio de commodities e organização industrial. Ele é mestre em Economia pela universidade KU Leuven, na Bélgica, focando sua pesquisa em análise das cadeias globais de valor na indústria de papel e celulose.