Autoria: Jéssica Maria Cavalheiro Madeira, professora de Processos Licitatórios da Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado (FECAP)
Uma nova lei para regular as contratações e licitações públicas no Brasil. Esse foi um desejo de muitas pessoas por muito tempo. Uma lei que trouxesse inovações, que permitisse que a Administração Pública contratasse de forma mais ágil, mais barata, produtos e serviços melhores. Não foi exatamente assim, mas depois de muitos anos de gestação e sofrendo muitas alterações, parecendo até ser mentira que um dia sairia do papel, ironicamente, em 1º de abril de 2021, nascia a Lei nº 14.133.
Não foi uma norma disruptiva, que trouxe realmente grandes inovações no sistema jurídico das contratações públicas. De forma organizada, ela trouxe muito do que já era aplicado com base em jurisprudência e instruções normativas, sendo definida por alguns professores como “um museu de grandes novidades”, parafraseando Cazuza, mas inegavelmente trouxe alterações importantes, principalmente no tocante à fase de planejamento, e que os órgãos públicos precisam se preparar para aplicá-la.
Muitos artigos precisam de regulamentação para que sejam aplicados, o que gerou e ainda gera muito medo, principalmente pelos órgãos estaduais e municipais, que precisam criar as normas de acordo com suas realidades regionais e locais.
Para que todos tivessem tempo de entender a nova lei e se preparar para sua utilização, a nova lei prevê, em seu artigo 193, inciso II, que durante o prazo de 2 anos da sua publicação, os órgãos ainda pudessem licitar e contratar com as Leis nº 8.666/1993, nº 10.520/2002 e nº 12.462/2011, podendo nesse período optar pela utilização do antigo ou do novo regime de contratações públicas. Um período de estudos, treinamento, testes e criação de regulamentações, para que a passagem dos sistemas não fosse traumática.
Para quem atua na área das contratações públicas está sendo um período de muita insegurança, ainda mais para órgãos que não utilizam os sistemas de contratações federais, que além de criar suas normas, tiveram que compreender o Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, único meio de tornar as contratações públicas viáveis e que depende de integração de sistemas para ser utilizado.
Talvez esse prazo de dois anos deu uma certa tranquilidade para muitos gestores que acharam que essa integração de sistemas e criação de normas não fosse algo tão complexo. Ou também pode ser aquele famoso jeitinho de deixar as coisas para última hora, mas a verdade é que esse prazo está a alguns dias de se esgotar e muitos órgãos públicos não realizaram nenhuma contratação com a nova lei.
Pode ser que tantos anos de convivência diária fez com que muitos se afeiçoassem a elas e aquelas leis antigas (Leis nº 8.666/1993 e nº 10.520/2002), tão duramente criticadas e chamadas de ultrapassadas, de repente geraram um grande apego para muitos, que não conseguem simplesmente abandoná-las. Então, para que o dia 31/03/2023 não fosse o dia derradeiro de suas aplicações e para que muitos ainda pudessem se organizar e criar mecanismos internos para aplicação da nova lei, começaram a ser publicados Decretos, Portarias, Atos e outras tantas diversas normas regulando o marco temporal para essa transição, em interpretação ao artigo 191, da Lei nº 14.133/2021:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Na esfera federal foi publicada a Portaria SEGES/MGI nº 720, de 15 de março de 2023, que permite que nas contratações e nos processos licitatórios autuados até dia 31 de março de 2023, com a opção expressa pelo sistema antigo, desde que conste a autorização da autoridade competente, a publicação dos editais e contratos ocorra até o dia 1º de abril de 2024. Outros estados e municípios, bem como diversos órgãos, também já publicaram suas normas regulando seus marcos regulatórios e permitindo essa “esticada” na aplicação do sistema antigo, jogando a possibilidade de publicação dos procedimentos um pouco mais para frente, bastando um processo minimamente instruído e a manifestação da autoridade competente aprovando.
Talvez não seja a melhor forma de ser feita essa transição, o ideal seria que todos já estivessem aplicando o novo sistema e que a chegada do dia 1º de abril de 2023 fosse apenas mais um Dia da Mentira. No entanto, a realidade é outra, somos um país enorme e com grande diversidade de realidades e possibilidades, e muitos ainda não conseguiram chegar lá. Portanto, essas interpretações de ultratividade do sistema antigo trazem um novo fôlego, ao mesmo tempo que despertam o senso de urgência, de que agora está realmente se esgotando o tempo de encararmos o novo.
A AUTORA: Jéssica Maria Cavalheiro Madeira é Advogada, Assessora Técnica da Assessoria Jurídica da Defensora Pública do Estado de São Paulo e Professora de Processos Licitatórios da Pós-Graduação em Gestão Pública da Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado (FECAP). É bacharel em Direito e Pós-Graduada em Gestão e Controladoria Pública e em Direito Penal e Processo Penal.