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Artigo: A Macroeconomia da Pandemia

Autor: Matheus Albergaria ([email protected]), professor de Economia da Fundação Escola de...
Imprensa | 09/03/2021
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Autor: Matheus Albergaria ([email protected]), professor de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) 

Já faz alguns anos que venho tendo a oportunidade de ministrar cursos na área de macroeconomia. Conforme o nome sugere, a macroeconomia corresponde ao estudo de fenômenos econômicos em nível agregado, como a inflação, o desemprego, o produto interno bruto (PIB) e a taxa de câmbio, por exemplo. Pessoalmente, considero essa área de estudo fascinante e me sinto grato pela oportunidade de poder discutir temas macroeconômicos com os alunos todas as semanas, podendo aprender cada vez mais a partir dessa interação. Em mais de uma ocasião, ao longo do último ano, os alunos me perguntaram a respeito das possíveis consequências macroeconômicas da pandemia do COVID-19 para o Brasil. Questionamentos assim fazem bastante sentido no atual momento que vivemos, uma vez que os alunos — e a sociedade como um todo — percebem que a pandemia tem claras consequências econômicas de curto, médio e longo prazos. 

Embora seja extremamente difícil fazer previsões precisas relacionadas a uma economia complexa como a brasileira durante o momento específico que vivemos, é possível traçar algumas tendências gerais relacionadas ao cenário macroeconômico nacional. Assim sendo, minha principal intenção neste artigo é discutir alguns dos principais impactos da pandemia do Coronavírus sobre a economia brasileira desde seu início, há cerca de um ano. Especificamente, vou tentar destacar alguns dos efeitos macroeconômicos esperados em nível teórico e, ao mesmo tempo, citar parte da evidência empírica disponível — ou seja, o comportamento de alguns dados macroeconômicos — no período. Faço isso com o intuito de tornar minha exposição mais concreta e aplicada. Desde já, fica a ressalva de que, dadas as limitações de espaço comuns a um artigo, assim como a ausência de importantes recursos didáticos — como a utilização de gráficos e diagramas em um quadro negro — há a possibilidade de que alguns dos pontos aqui mencionados não fiquem tão claros quanto eu gostaria, em princípio. Ainda assim, dada a gravidade da atual situação, acredito valer a pena a tentativa de ilustrar os potenciais efeitos macroeconômicos da pandemia.  

Desde os primeiros relatos de contaminação pelo Coronavírus, notamos a ocorrência de claros efeitos sobre importantes variáveis econômicas em nível agregado. Um primeiro efeito mais evidente foi que a produção agregada da economia — capturada por uma medida como o PIB, por exemplo — diminuiu consideravelmente. O início e posterior desenvolvimento da pandemia no país e no mundo teve o efeito de aumentar consideravelmente os custos de produção das empresas da economia, o que corresponde a uma contração da curva de oferta agregada (OA), que reflete a quantidade total de bens e serviços ofertados pelas famílias e empresas nacionais. Uma consequência imediata desse padrão de contração foi uma redução da produção agregada. Por sua vez, essa diminuição do PIB acabou aumentando a chamada capacidade ociosa da economia. Ou seja, empresas declararam falência, máquinas foram desligadas, frotas de caminhões e carros ficaram paradas em garagens e estabelecimentos foram fechados. Mais do que isso, a pandemia gerou um tipo perverso de capacidade ociosa, correspondente à ociosidade do fator trabalho (também conhecida como desemprego). Em palavras, observamos a ocorrência de desemprego involuntário em vários setores da economia. Ou seja, há muitos trabalhadores em busca de emprego que não conseguem encontrar vagas no mercado de trabalho desde o ano passado, ainda que estejam dispostos a trabalhar. Dados recentes sugerem que, de fato, o desemprego aumentou consideravelmente no país desde o início da pandemia. 

Adicionalmente, a pandemia elevou o grau de incerteza vigente entre as pessoas e empresas da sociedade. Há várias décadas, os economistas vêm destacando os potenciais efeitos adversos do aumento da incerteza na economia. Segundo alguns autores, em momentos de alta incerteza – como agora — a atividade econômica pode vir a contrair de maneira significativa. Por exemplo, uma vez que famílias e empresas não sabem o que esperar no futuro próximo, importantes decisões econômicas são postergadas ou até mesmo adiadas. Isso ocorre, uma vez que, diante de tanta incerteza, as famílias acham que pode ser melhor guardar um pouco de dinheiro para o caso de algum imprevisto, como despesas com saúde ou alimentação, por exemplo. De maneira semelhante, em um cenário de alta incerteza, as empresas da economia começam a ficar receosas de investir, postergando importantes decisões de investimento e deixando de construir novas edificações ou comprar mais máquinas. Tomadas em conjunto, essas decisões podem vir a aumentar a intensidade do padrão contracionista observado em nível agregado. 

Em meio ao contexto de pandemia vivido pelo país, uma importante variável macroeconômica corresponde aos gastos do governo (G). Conforme o nome sugere, essa variável captura as compras e gastos incorridos pelas várias esferas do governo (municípios, estados e União) ao longo do tempo. Em termos teóricos, gastos desse tipo tendem a exercer um padrão expansionista sobre a economia, uma vez que podem vir a estimular os gastos de consumo das famílias e os investimentos das empresas. Desde o início da pandemia no Brasil, ganhou destaque o auxílio emergencial, correspondente a um benefício financeiro concedido pelo Governo Federal, destinado a trabalhadores informais, microempreendedores, autônomos e desempregados. No caso, o principal objetivo desse auxílio é fornecer algum tipo de proteção emergencial a essas categorias durante o período de pandemia. Dados econômicos recentes sugerem que os gastos governamentais, nos moldes do auxílio emergencial, ajudaram a evitar que a queda de produção verificada no país fosse mais pronunciada, uma vez que preservaram o padrão de consumo de algumas famílias do país. Ainda assim, há uma preocupação do governo federal com as possíveis consequências desses gastos para a dívida pública do país, que pode chegar a níveis insustentáveis no médio e longo prazos. Enquanto essa discussão permanece em aberto no momento, parece crescer o consenso entre alguns setores da sociedade de que programas de assistência financeira a uma parcela da população são necessários no momento de pandemia que vivemos, dadas as suas consequências adversas sobre a economia como um todo. 

Em relação ao cenário econômico internacional, há duas possibilidades em nível teórico, em princípio. Por um lado, as exportações das empresas nacionais para outros países (X) podem vir a cair, uma vez que a renda dos países vizinhos — correspondente ao principal determinante das exportações de um país — diminuiu durante a pandemia. Adicionalmente, como a produção nacional (doméstica) também diminuiu durante a pandemia, as importações acabam diminuindo também (a renda doméstica é o principal determinante das importações do país). Por outro lado, caso ocorra uma desvalorização da taxa de câmbio, as exportações das empresas nacionais podem vir a aumentar, ao passo que as importações (M) diminuem. O saldo líquido dessas forças, que atuam em sentidos opostos, pode ser medido a partir da sua diferença, conhecida como “exportações líquidas” (NX = X – M). Olhando para os dados de comércio exterior do Brasil, notamos a ocorrência de um aumento das exportações líquidas, um fenômeno principalmente decorrente da desvalorização do Real frente às moedas de outros países, dentre outros fatores. 

O que eu quero dizer, ao citar os vários efeitos da pandemia sobre o consumo das famílias (C), investimento das empresas (I), gastos do governo (G), exportações (X) e importações (M) é que essas são algumas das variáveis que compõem aquilo que os economistas chamam de demanda agregada (DA), que representa a quantidade total de bens e serviços demandados pelas famílias e empresas que compõem a economia nacional, dado o nível agregado de preços (DA = C + I + G + X – M). Ou seja, com o início da pandemia no país, tanto a curva de demanda agregada quanto a de oferta agregada contraíram significativamente. Esses movimentos de ambas as curvas, por sua vez, exerceram um efeito contracionista sobre o nível de atividade, o que acabou gerando uma recessão na economia (ou seja, as quantidades agregadas diminuíram ao longo de dois trimestres consecutivos, pelo menos). Embora os economistas ainda estejam discutindo sobre o possível formato da contração observada (formato de “V”, “U”, “L” ou “W”), os dados sugerem que o nível de atividade do país — medido a partir do PIB ou da produção industrial — sofreu um claro padrão contracionista durante o primeiro ano da pandemia.  

Em termos do custo de vida das famílias brasileiras — representado por medidas como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por exemplo — há a possibilidade teórica tanto de aumento quanto de redução do custo de vida das famílias brasileiras (a depender dos movimentos das curvas de demanda e oferta agregadas). Até o momento em que escrevo o presente artigo, os dados econômicos disponíveis sugerem um claro padrão de elevação do custo de vida no país, ocorrido a partir do aumento de preços de itens importantes ao consumo das famílias brasileiras, como alimentos, bebidas e combustíveis, por exemplo. Em termos gerais, esse resultado sugere que está ficando mais caro viver no país desde o início da pandemia. 

Em suma, quais são os impactos macroeconômicos da pandemia? Em termos de quantidades produzidas, observamos um claro padrão de contração de medidas de nível de atividade, como o PIB e a produção industrial. Em termos de custo de vida, observamos um padrão médio de aumento de índices de preços, como o IPCA, com destaque para alguns itens essenciais ao consumo das famílias, como alimentos e combustíveis. Embora eu não tenha a meta ambiciosa de esgotar todas as possibilidades de análise dos impactos macroeconômicos da pandemia neste artigo, espero ter conseguido elucidar alguns dos resultados que devem vir a ocorrer hoje e no futuro próximo. Em última instância, ocorreram nítidos impactos macroeconômicos adversos decorrentes da pandemia do COVID-19. Resta saber como o governo empregará seus instrumentos de política econômica para tentar amenizar alguns dos efeitos adversos daí decorrentes. Isto, só o futuro dirá. 

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