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O Colégio e o Centro Universitário, mantidos pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado - FECAP, são certificados como Entidades Beneficentes de Assistência Social na área da educação.
Autoria: Centro de Estudos em ESG / Alexandre Garcia, Davi Ciasca, Denis Leandro, Eloisa Bicalho, Marina Martins e Regis Cesar Cunha, docentes da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)
A Conferência das Partes (COP-30) realizada no Brasil representa um marco histórico para o país e para a agenda global de enfrentamento às mudanças climáticas. Como anfitrião, o País assume uma posição estratégica na discussão sobre descarbonização, transição energética e mecanismos de mercado de carbono. Essa oportunidade coloca em evidência não apenas as políticas públicas nacionais, mas também o papel das empresas brasileiras na implementação de práticas sustentáveis e na transparência das informações relacionadas às emissões e compensações de gases de efeito estufa (GEE).
Nesse contexto, é relevante analisar como as companhias listadas na bolsa de valores brasileira (B3), especialmente aquelas que compõem o Índice Carbono Eficiente (ICO2), estão se posicionando frente à temática dos créditos de carbono. O ICO2 é um índice que busca incentivar a adoção de práticas de gestão de emissões por empresas de capital aberto, promovendo maior transparência e eficiência na relação entre desempenho financeiro e impacto ambiental.
Panorama da Pesquisa: ICO2 e Créditos de Carbono
Em 2024, a carteira do ICO2 era composta por 73 empresas. Essas companhias respondem a um questionário que avalia práticas relacionadas à gestão de carbono. A questão PGE10 do questionário indaga: “A organização criou ou adquiriu créditos de carbono com base em projetos?”. Das 73 empresas, 56 afirmaram “sim”, indicando que possuem algum tipo de envolvimento com projetos de geração ou aquisição de créditos de carbono.
À primeira vista, esse dado sugere um avanço significativo na incorporação de mecanismos de compensação de emissões. No entanto, uma análise mais detalhada das demonstrações financeiras dessas empresas revela uma discrepância preocupante entre o discurso e a prática contábil.
Ao examinar as demonstrações financeiras publicadas pelas 56 empresas que responderam afirmativamente à questão PGE10, constatou-se que 42 delas não apresentaram qualquer menção a transações com créditos de carbono. Essa ausência se verificou tanto nas contas contábeis quanto nas notas explicativas e nos relatórios da administração.
Das empresas restantes, 5 mencionaram transações com créditos de carbono apenas no Relatório da Administração, sem evidência nas demonstrações financeiras. Apenas 9 empresas apresentaram registros contábeis claros dessas operações: Ambipar, Auren, Natura, Irani, Orizon, 3Tentos, Raízen, Ultrapar e Vibra.
Esse cenário levanta questões sobre a consistência e a transparência das informações divulgadas. Embora todas as 42 empresas que não evidenciaram transações nas demonstrações financeiras tenham incluído o tema em seus relatórios de sustentabilidade, relato integrado ou relatórios ESG, a ausência de registros contábeis indica que as práticas de governança e compliance ainda não estão plenamente alinhadas com as exigências de transparência financeira.
Nesse contexto, a falta de evidência contábil das transações com créditos de carbono pode comprometer a credibilidade das empresas brasileiras perante investidores internacionais e organismos reguladores. A transparência não é apenas uma questão de reputação; ela impacta diretamente a capacidade de atrair capital, acessar mercados e participar de iniciativas globais de mitigação climática.
A discrepância identificada na pesquisa revela um desafio estrutural: a integração entre relatórios ESG e demonstrações financeiras. Embora os relatórios de sustentabilidade tenham evoluído em termos de detalhamento e abrangência, eles ainda carecem de conexão com a contabilidade tradicional. Essa lacuna dificulta a verificação independente das informações e pode abrir espaço para práticas de greenwashing.
Para que o Brasil aproveite plenamente a visibilidade proporcionada pela COP-30, será essencial que as empresas adotem padrões robustos de divulgação, alinhados às normas internacionais, como as recomendações do International Sustainability Standards Board (ISSB). A integração entre relatórios financeiros e não financeiros deve ser vista como um imperativo estratégico, e não apenas como uma exigência regulatória.
O Brasil possui vantagens competitivas para liderar o mercado global de créditos de carbono, graças à sua matriz energética limpa e ao potencial de projetos de conservação florestal e agricultura sustentável. No entanto, para consolidar essa posição, é necessário garantir a integridade e a rastreabilidade das transações.
A pesquisa com as empresas do ICO2 indica que há interesse e movimentação no sentido de criar ou adquirir créditos de carbono, mas também evidencia que essas operações ainda não estão plenamente refletidas nos relatórios financeiros. Essa falta de integração pode limitar a capacidade do país de estabelecer um mercado confiável e atrativo para investidores internacionais.
A COP-30 é uma vitrine para o Brasil demonstrar liderança na agenda climática. Contudo, essa liderança não se constrói apenas com discursos; ela exige práticas concretas e transparentes. As empresas brasileiras, especialmente aquelas que compõem índices como o ICO2, têm um papel central nesse processo.
A pesquisa revela um paradoxo: enquanto os relatórios ESG destacam a relevância dos créditos de carbono, as demonstrações financeiras permanecem silenciosas sobre o tema. Essa desconexão precisa ser superada para que o país avance rumo a uma economia de baixo carbono com credibilidade e consistência.
O desafio está posto: integrar sustentabilidade e contabilidade, transformar compromissos em evidências e alinhar práticas corporativas às expectativas globais. A COP-30 não é apenas um evento; é um teste para a capacidade do Brasil de liderar pelo exemplo — e para as empresas, uma oportunidade de mostrar que estão prontas para essa nova era.