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Entenda o “shutdown” dos EUA e o impacto para o Brasil

O shutdown do governo dos Estados Unidos não é apenas uma paralisação administrativa...
Imprensa | 03/10/2025
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O shutdown do governo dos Estados Unidos não é apenas uma paralisação administrativa temporária, mas um fenômeno político-econômico que evidencia as tensões internas do sistema de freios e contrapesos norte-americano, e produz efeitos que se irradiam para além das fronteiras do país.

O professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)Ahmed El Khatib, explica que a paralisação ocorre quando o Congresso não consegue aprovar o orçamento federal ou uma medida temporária de financiamento, levando à suspensão parcial das atividades governamentais.

“A interrupção pode afetar desde serviços burocráticos até setores estratégicos, como fiscalização de fronteiras, emissão de vistos, inspeção de alimentos e pesquisas científicas. Esse mecanismo, que deveria ser uma exceção, tornou-se recorrente nas últimas décadas e representa uma vulnerabilidade estrutural tanto para a maior economia do mundo quanto para a estabilidade do sistema financeiro internacional”, diz El Khatib.

Impactos na economia americana

No plano doméstico, os impactos econômicos são imediatos e multifacetados. Em primeiro lugar, há os efeitos diretos sobre os servidores públicos e contratados federais, que ficam sem remuneração durante o período de shutdown. “Esse contingente, que chega a centenas de milhares de pessoas, reduz o consumo e provoca retração em setores locais, como comércio, serviços e turismo”. Há também o impacto macroeconômico agregado, já que a paralisação desacelera o crescimento do PIB e gera perdas de produtividade.

O Congressional Budget Office (CBO) calculou que o shutdown de 2018-2019, o mais longo da história, com 35 dias, causou prejuízos de aproximadamente US$ 11 bilhões, sendo que US$ 3 bilhões foram perdas permanentes, incapazes de serem recuperadas posteriormente. Já em 2013, durante o governo Obama, os 16 dias de paralisação resultaram em perdas estimadas em US$ 24 bilhões, de acordo com a Standard & Poor’s. Além do impacto financeiro, há o fator psicológico: o clima de incerteza faz com que famílias adiem gastos, empresas suspendam investimentos e consumidores percam confiança no governo.

Os mercados financeiros são particularmente sensíveis ao risco político e à instabilidade fiscal. Os shutdowns alimentam a percepção de que o sistema político dos EUA pode se tornar disfuncional, especialmente em contextos de polarização ideológica. “Isso pressiona os rendimentos dos títulos do Tesouro, considerados tradicionalmente os ativos mais seguros do mundo, e gera volatilidade nas bolsas”.

O professor da FECAP lembra que a crise do teto da dívida de 2011 é um exemplo emblemático: embora não tenha havido um shutdown prolongado, a incapacidade do Congresso em chegar a um acordo levou a agência Standard & Poor’s a rebaixar a nota de crédito soberano dos EUA pela primeira vez na história. O episódio provocou quedas generalizadas nas bolsas internacionais e aumento da aversão global ao risco, evidenciando o efeito sistêmico que uma paralisia governamental pode gerar.

Impactos no cenário internacional

O professor da FECAP explica que, no âmbito internacional, os efeitos são ainda mais complexos: o dólar é a moeda de reserva global e os títulos do Tesouro americano são a principal referência de segurança para bancos centrais, fundos soberanos e investidores institucionais.

“Qualquer ameaça, ainda que remota, de instabilidade fiscal nos EUA repercute no sistema financeiro global, provocando fuga de capitais de mercados emergentes, valorização do dólar e elevação do custo de financiamento externo. Economias latino-americanas, como o Brasil, são particularmente vulneráveis, pois em cenários de incerteza, investidores internacionais retiram recursos de países emergentes para alocá-los em ativos considerados mais estáveis, pressionando o câmbio e alimentando a inflação.”

Além disso, a paralisação de órgãos alfandegários e de fiscalização nos EUA pode atrasar exportações e importações, afetando cadeias globais de suprimento. O setor agroexportador brasileiro, por exemplo, já enfrentou entraves relacionados à inspeção de carnes em shutdowns anteriores.

O efeito geopolítico também merece destaque. Em tempos de disputas hegemônicas crescentes entre Estados Unidos e China, cada episódio de shutdown fragiliza a imagem de Washington como potência estável e confiável. A incapacidade de o Congresso aprovar o orçamento transmite ao mundo sinais de fragilidade institucional e paralisia decisória.

“Isso compromete a liderança americana em fóruns multilaterais e reduz sua autoridade para propor soluções globais em temas como mudanças climáticas, segurança internacional e regulação financeira. Do ponto de vista simbólico, cada shutdown alimenta narrativas de declínio da hegemonia norte-americana, abrindo espaço para que outros atores, especialmente a China, apresentem-se como alternativas de estabilidade”, acrescenta o docente.

Linha do tempo histórica dos shutdowns

1980 (era Carter): primeira paralisação moderna, ligada a disputas sobre orçamento. Durou 1 dia, afetando temporariamente 400 mil trabalhadores.

1981, 1984 e 1986 (era Reagan): três shutdowns de curta duração (entre 1 e 2 dias cada), motivados por divergências sobre gastos sociais e defesa. Custos relativamente pequenos, mas serviram de prenúncio da polarização crescente no Congresso.

1990 (era Bush pai): shutdown de 3 dias, em meio a disputas sobre impostos e corte de gastos. Prejuízos de US$ 800 milhões estimados.

1995-1996 (governo Clinton vs. Congresso Republicano de Newt Gingrich): dois shutdowns consecutivos. O primeiro de 5 dias, seguido de um segundo de 21 dias, totalizando 26 dias de paralisação. Teve impacto de cerca de US$ 1,4 bilhão em custos diretos (valores da época) e mais de 250 mil funcionários federais afetados.

2013 (Obama, impasse sobre o Obamacare): shutdown de 16 dias, teve custo de US$ 24 bilhões (Standard & Poor’s). Cerca de 850 mil funcionários ficaram em licença não remunerada.

Na opinião do professor da FECAP, repetidos episódios de shutdown corroem a confiança na governança americana e colocam em xeque a previsibilidade de sua política fiscal, o que é particularmente perigoso em um mundo interdependente, no qual o papel central dos EUA como âncora de estabilidade financeira é fundamental para o equilíbrio da ordem global.

“O shutdown dos Estados Unidos é um fenômeno que vai além da interrupção administrativa, ele representa um choque de credibilidade política e econômica. Traz consequências internas como queda do PIB, perdas de consumo, enfraquecimento da confiança dos cidadãos e paralisia de serviços essenciais; e externas, ao gerar instabilidade nos mercados globais, pressão sobre moedas emergentes, aumento da aversão ao risco e abalo da imagem internacional dos EUA”, finaliza.

O especialista: Ahmed Sameer El Khatib é Doutor em Finanças e Doutor em Educação, Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais, graduado em Ciências Contábeis, Pós-doutor em Contabilidade e Pós-doutor em Administração.  É graduando e doutorando em Psicologia Clínica. É professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e professor adjunto de finanças da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

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