Por Cláudio Gonçalves dos Santos e Maria Alejandra Madi
Criada em 1967, a Zona Franca de Manaus (ZFM) foi um instrumento eficaz de integração nacional e geração de empregos por meio da industrialização na Amazônia. No entanto, o modelo encontra-se hoje em franco esgotamento estrutural. Altamente concentrada em poucos setores — eletroeletrônicos, duas rodas e bebidas — e excessivamente dependente de incentivos fiscais, a ZFM tem mostrado baixa capacidade de inovação, limitada inserção internacional e um elevado custo por emprego direto: R$ 546 mil em 2024, para renúncias fiscais totais da ordem de R$ 72,1 bilhões.
Quando considerado o regime fiscal da ZFM no contexto da reforma tributária de 2023, vale a pena ressaltar que as distorções fiscais se perpetuam e parecem ganhar maior complexidade.
O debate sobre seu futuro não pode ser reduzido à dicotomia entre manter ou extinguir os incentivos. É preciso transformá-los. O Brasil carece de uma estratégia para a Amazônia que articule competitividade, inovação, preservação ambiental e desenvolvimento regional. Nesse sentido, propomos a criação da Zona de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (ZDSA), com foco em setores estratégicos como bioeconomia, energias renováveis, turismo ecológico, TI verde e manufaturas avançadas — áreas alinhadas à transição ecológica global e capazes de gerar valor de longo prazo.
Esta proposta configura uma política pública que segue práticas internacionais bem-sucedidas, dentre as quais as zonas de exportação chinesas são um exemplo. O novo modelo parte da substituição da atual Suframa por uma agência técnica — Agência da Zona Econômica Sustentável da Amazônia (Azesa) — com mandato claro, metas de desempenho, transparência institucional e articulação com universidades, centros de pesquisa e o setor privado. Os incentivos fiscais seriam reformulados para tornarem-se temporários, seletivos e condicionados a resultados concretos, como exportações, reinvestimento em P&D, geração de empregos qualificados e metas ambientais. Paralelamente, propõe-se a criação do Fundo de Transição Produtiva da Amazônia (FTPA), financiado pela racionalização das renúncias fiscais e voltado à requalificação profissional, apoio à migração industrial e fomento à inovação de base local.
Esse redesenho é compatível com o novo arranjo tributário proposto pela PEC 45/2019, desde que respeitada a salvaguarda constitucional prevista no artigo 40 do ADCT, que garante a vigência da ZFM até 2073. A jurisprudência do STF tem reforçado o caráter especial da região, reconhecendo-a como área equiparada à exportação para efeitos fiscais — o que impõe ao legislador e ao Executivo a responsabilidade de construir uma transição pactuada e juridicamente segura.
Com base nesse novo marco, estimam-se resultados tangíveis no horizonte de dez anos: 35% da produção oriunda da bioeconomia, exportações respondendo por 30% do total produzido, geração de mais de 80 mil empregos qualificados e a extinção dos incentivos lineares e pouco eficientes. A meta é posicionar a ZDSA entre os cinco polos mais inovadores do País, gerando externalidades positivas para toda a Região Norte.
A Amazônia pode — e deve — deixar de ser tratada como espaço de exceção fiscal e passar a ser compreendida como um ativo estratégico da economia brasileira. A transformação da ZFM numa plataforma de desenvolvimento sustentável e inovação verde não é apenas necessária: é uma oportunidade que o Brasil não pode desperdiçar.
Os autores
Cláudio Gonçalves dos Santos
Economista, mestre em administração financeira e contabilidade, MBA em Finanças de Empresas, gestor de valores mobiliários com registro na Comissão de Valores Mobiliários, professor em curso de pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Fecap/SP, é membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital e do Instituto de Inteligência Econômica.
Maria Alejandra Madi
Economista, mestre e doutora em Economia, doutora em Filosofia, professora do Instituto de Economia da Unicamp, ex-professora visitante da Universidade de Manitoba (Canadá), da Universidade Kassel e Steinbes (Alemanha), professora visitante e pesquisadora do Green Economics Institute (Inglaterra), conselheira da Câmara de Comércio Argentina-Brasil, é membro do Instituto de Inteligência Econômica.