fbpx
voltar ao topo

O impacto do tarifaço dos EUA para a economia brasileira

A imposição de tarifas de 50% sobre produtos estratégicos das exportações brasileiras, com...
Imprensa | 28/07/2025
Compartilhe: twitter facebook linkedin whatsapp

A imposição de tarifas de 50% sobre produtos estratégicos das exportações brasileiras, com vigência prevista para 1º de agosto de 2025, configuraria um choque exógeno negativo de grandes proporções para a economia nacional, afetando diretamente o balanço de pagamentos, a atividade industrial e agropecuária, os níveis de emprego formal, a arrecadação tributária e a estabilidade cambial.

Segundo o professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)Ahmed El Khatib, os setores diretamente atingidos compreendem cadeias produtivas estruturadas e internacionalizadas, como o agronegócio (com destaque para café, suco de laranja e carnes) e a indústria de alta tecnologia (com foco na aviação comercial), além de setores tradicionais da indústria de base, como aço e alumínio.

“O grau do impacto econômico dependerá de variáveis como estrutura de mercado, concentração de destino das exportações, elasticidade-preço da demanda externa, barreiras não tarifárias e capacidade de diversificação geográfica e produtiva”, explica o professor.

Café

No caso do café, o Brasil detém cerca de 37% do mercado global de café verde, sendo o maior exportador mundial. A introdução abrupta de uma tarifa de 50% sobre esse produto elevaria significativamente o preço de importação nos mercados compradores, reduzindo a competitividade do café brasileiro frente a concorrentes como Vietnã, Colômbia, Etiópia e Honduras.

A elasticidade-preço da demanda nesse segmento é relativamente alta no curto prazo, sobretudo para cafés arábica de entrada e robustas industriais. Com isso, estima-se uma queda imediata entre 20% e 35% nos volumes exportados, o que representaria uma perda anual potencial acima de US$ 2 bilhões, considerando o atual patamar de US$ 6 bilhões anuais em receita cambial para o setor.

“Além disso, efeitos secundários sobre cooperativas, torrefadoras, exportadoras e redes de logística seriam inevitáveis, com forte impacto nos pequenos produtores e na geração de renda rural em estados como Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo”, acrescenta El Khatib.

Suco de laranja

Quanto ao suco de laranja concentrado congelado (FCOJ), o Brasil responde por cerca de 70% da oferta mundial e abastece majoritariamente o mercado norte-americano e europeu. Apesar de a demanda por esse tipo de produto ser relativamente inelástica no curto prazo — em razão da limitação de oferta substituta — o aumento de 50% no preço final geraria uma contração de até 15% nos volumes importados, ao mesmo tempo em que pressionaria as margens das tradings brasileiras (como Citrosuco e Cutrale) e dos produtores.

Dado o caráter oligopsônico do mercado externo e o controle de poucas multinacionais sobre os canais de distribuição, a elasticidade-receita se tornaria ainda mais desfavorável. “Estima-se que as perdas de receita superem os US$ 700 milhões anuais. Além disso, a maior oferta interna pode levar à deterioração dos preços no mercado doméstico e à elevação dos estoques, com riscos de perdas perecíveis e descapitalização de pequenos citricultores”, complementa o professor da FECAP.

Carnes

O impacto sobre o setor de carnes tende a ser ainda mais expressivo, dadas a magnitude da produção brasileira e a sua forte inserção no comércio internacional. O Brasil é o maior exportador global de carne bovina e de carne de frango, com relevante participação também na carne suína. No caso da carne bovina, a tarifa poderia reduzir as exportações em 25% a 40%, com quedas de receita estimadas entre US$ 2,5 bilhões e US$ 3 bilhões, considerando as exportações atuais que ultrapassam US$ 8 bilhões ao ano. Na carne de frango, a queda nos embarques pode chegar a 30%, com perdas superiores a US$ 2 bilhões.

Ahmed afirma que o redirecionamento forçado dessas proteínas ao mercado interno tende a pressionar os preços domésticos para baixo no curto prazo, beneficiando o consumidor, mas prejudicando profundamente as margens de frigoríficos e produtores integrados, o que pode desencadear uma contração da oferta, deterioração de contratos com pequenos avicultores e paralisação de plantas industriais.

Indústria

Na indústria, a situação mais delicada recai sobre o setor aeronáutico, particularmente sobre a Embraer, terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo.

Aproximadamente 85% do faturamento da empresa provém de exportações, concentradas nos EUA e na União Europeia. A eventual tarifação de 50% acarretaria uma quebra de previsibilidade contratual, aumento abrupto de custos para as companhias aéreas compradoras e a possível suspensão de encomendas — principalmente dos modelos E175, E190-E2 e E195-E2.

A projeção mais conservadora indica uma queda de até 60% nas entregas internacionais no segundo semestre de 2025, o que representaria perdas diretas superiores a US$ 1 bilhão no faturamento, sem considerar os efeitos indiretos sobre fornecedores de peças, engenharia, manutenção e aviação regional.

‘Além do risco financeiro, o Brasil enfrentaria uma ameaça de desmantelamento parcial de uma das poucas cadeias de valor industrial de alta tecnologia que possui inserção global e forte capacidade de inovação”, aponta o especialista.

Ao comparar os impactos entre os setores agropecuário e industrial, é possível afirmar que, embora ambos sejam gravemente atingidos, o padrão de danos é distinto.

O agronegócio sofrerá sobretudo em termos de volume exportado, emprego rural, renda agrícola e efeitos sociais derivados da ociosidade produtiva. Além disso, os produtos são fortemente comoditizados, com baixa diferenciação e competição acirrada por preço, o que limita a capacidade de repasse do custo tarifário.

Já o setor industrial, embora exporte menos em valor total, concentra produtos de maior valor agregado e contratos de longo prazo. A quebra de cadeias industriais globais pode ter efeitos de histerese, com perda definitiva de mercado e know-how técnico. No caso da aviação, por exemplo, a perda de mercado pode comprometer décadas de investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, com repercussões de longo prazo para a soberania e autonomia industrial do país.

Impacto macroeconômico

Do ponto de vista macroeconômico, espera-se um impacto imediato sobre o câmbio, decorrente da deterioração das expectativas quanto ao superávit comercial brasileiro. A projeção de queda abrupta nas exportações líquidas reduzirá a entrada de divisas, gerando valorização do dólar frente ao real.

Modelos de previsão baseados em elasticidade da taxa de câmbio real (TCER) indicam uma depreciação do real na faixa de 5% a 10% no curto prazo, especialmente entre junho e julho de 2025, à medida que os agentes econômicos internalizarem a nova estrutura tarifária. Esse movimento pode ser amplificado por fatores de aversão ao risco, aumento do prêmio de risco-país (medido pelo CDS Brasil), fuga de capitais de curto prazo (carry trade) e encarecimento da rolagem da dívida externa corporativa.

Sob a ótica inflacionária, haverá uma redistribuição dos choques de preço entre os grupos que compõem o IPCA. Os produtos agroexportadores, com exportações comprimidas, terão parte de sua produção redirecionada ao mercado interno, provocando um arrefecimento temporário de preços nas categorias de alimentação no domicílio.

No entanto, esse efeito deflacionário será contrabalançado pela inflação de custos, causada pela valorização do dólar. Itens como combustíveis, insumos industriais importados, fertilizantes, defensivos agrícolas e produtos manufaturados sofrerão pressão altista, afetando tanto o varejo quanto a produção.

No saldo líquido, simulações indicam uma elevação do IPCA entre 0,3 e 0,6 ponto percentual em 2025, com maior impacto nos meses imediatamente anteriores à implementação da tarifa, devido à reprecificação de ativos e estoques.

Mesmo antes da entrada em vigor da medida, o mercado interno deverá sentir seus efeitos de forma pronunciada. A antecipação de embarques por parte de importadores estrangeiros pode gerar um pico artificial de produção e exportação no segundo trimestre, seguido de uma queda brusca no terceiro.

O professor da FECAP avalia que as empresas exportadoras tenderão a reagir com medidas defensivas, como redução de turnos, concessão de férias coletivas, demissões preventivas e postergação de investimentos. Muitos contratos internacionais, especialmente os baseados em preços CIF, poderão ser rescindidos ou renegociados com cláusulas de força maior ou de impossibilidade econômica sobrevida.

“A queda nas encomendas e na produção industrial deverá afetar diretamente o nível de atividade nas regiões mais dependentes do setor externo, como o Sul, o Centro-Oeste e o interior de São Paulo”, diz Ahmed.

Resposta do Brasil

Em termos de resposta institucional, o governo brasileiro dispõe de alguns instrumentos diplomáticos e legais. A principal frente é o acionamento do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), com base em possível violação do princípio da Nação Mais Favorecida (NMF), bem como da cláusula de previsibilidade tarifária (binding commitments). Ainda que o Brasil possa obter parecer favorável, esse processo é altamente técnico, sujeito a recursos e moroso, podendo levar anos até decisão definitiva.

Paralelamente, o Brasil poderá acionar canais diplomáticos bilaterais e multilaterais para costurar acordos ou suspensões parciais. Fóruns como G20, Mercosul, OCDE e BRICS são arenas estratégicas para a construção de coalizões.

“Em termos de retaliação, o país poderá aplicar medidas de reciprocidade autorizadas pelo sistema multilateral de comércio, impondo tarifas a produtos sensíveis do país que impôs as medidas, como automóveis, defensivos, eletroeletrônicos ou produtos farmacêuticos, sempre com base na cláusula de proporcionalidade e na retaliação cruzada permitida”, afirma do professor Ahmed.

Internamente, o governo poderá lançar mão de pacotes de estímulo emergencial, incluindo linhas de crédito com equalização de juros via BNDES, desoneração de impostos federais (PIS, Cofins, IPI), subsídios logísticos, ampliação de garantias públicas para exportações (via Proex ou Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação – SBCE) e estímulo à diversificação de mercados por meio da Apex-Brasil.

Quanto aos cenários possíveis até a entrada em vigor da tarifa, o mais provável é uma solução negociada que envolva a suspensão temporária da medida ou sua substituição por cotas tarifárias, escalonamento de alíquotas ou concessões setoriais recíprocas. Um cenário intermediário prevê a exclusão de setores estratégicos, como a aviação, mediante contrapartidas do Brasil em temas agrícolas ou regulatórios. Também é possível que grandes empresas entrem com medidas judiciais ou arbitrais, pleiteando compensações com base em tratados bilaterais de investimentos ou cláusulas de estabilização.

No cenário mais extremo e menos desejado — porém não impossível —, a medida tarifária pode ser interpretada como um movimento protecionista de cunho geopolítico, levando a um recrudescimento das tensões comerciais e à realocação das alianças estratégicas do Brasil.

“Nesse contexto, o país poderia buscar aprofundar sua integração com China, Índia, África e Oriente Médio, reposicionando-se como fornecedor preferencial em acordos bilaterais e plurilaterais alternativos ao eixo transatlântico”, finaliza o professor da FECAP.

O especialista: Ahmed Sameer El Khatib é Doutor em Finanças e Doutor em Educação, Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais, graduado em Ciências Contábeis, Pós-doutor em Contabilidade e Pós-doutor em Administração.  É graduando e doutorando em Psicologia Clínica. É professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e professor adjunto de finanças da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Notícias Relacionadas

SIGA A FECAP NAS REDES SOCIAIS

Quer saber mais sobre a POST na FECAP?

© Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado - FECAP - Todos os direitos reservados