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Breves notas sobre o retorno do Talibã, e a desordenada retirada estadunidense

Autoria: Alcides Eduardo dos Reis Peron, professor do curso de Relações Internacionais da...
Imprensa | 17/08/2021
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Autoria: Alcides Eduardo dos Reis Peron, professor do curso de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)

Nos últimos dias, assistimos a um processo de escalada da violência no Afeganistão, mobilizada pelos Talibãs como forma de retomar o controle de diversos espaços até então sob tutela estadunidense e do governo afegão. Empurrados para espaços remotos, e confinados em cidades menores desde a invasão estadunidense em 2001, ao contrário do que muitos pensam, o Talibã não se extinguiu, e aproveitou a retirada das tropas estadunidenses para retomarem o controle de territórios-chave, incluindo a capital, Cabul. 

Logo após os atentados do 11 de setembro, acusando o regime Talibã de dar cobertura a líderes da Al Qaeda, os EUA lançaram uma ofensiva que em poucos meses levou ao recuo dos extremistas. Apesar dessa operação ter logrado um rápido êxito, a ocupação estadunidense se arrastou por 20 anos, com sucessivas retiradas e adições de tropas, sem efetivamente deixar o país. A instauração de um governo afegão, de características democráticas, se mostrou pouquíssimo efetiva, posto que, com a retirada oficial das tropas estadunidenses, o e o avanço do Talibã sobre Cabul, o presidente Ashraf Ghani deu declarações obscuras e deixou o país. 

Ao longo dos últimos anos, estimativas apontam que os EUA empregaram mais de 2 trilhões de dólares na ocupação, e na manutenção de atritos permanentes com os Talibãs em regiões montanhosas e desérticas. As táticas Talibãs de conflito se assemelharam às de guerrilhas, produzindo fricções sazonais com as tropas, e levando a um progressivo desgaste da operação, que acumulava custos, baixas, e cada vez mais se distanciava moral e simbolicamente do contexto no qual se iniciara em 2001. Não à toa, por diversas vezes os governos que sucederam o de George Bush, buscaram ou reordenar o sentido da ocupação (concentrando esforços para o treinamento e transferência de responsabilidades para as forças afegãs, como fez Obama), ou organizar um plano de retirada, como o fez Donald Trump.

Em fevereiro de 2020, por ocasião das negociações de paz em Doha, a delegação estadunidense, a mando do presidente Trump, afirmou que retiraria as tropas do território afegão em até 14 meses, promessa essa sustentada pelo atual mandatário Joe Biden, que antecipou em algumas semanas a retirada total das tropas – que seria simbolicamente no dia 11 de setembro. Pouco tempo antes, o Talibã já vinha se mobilizando para retomar o controle das principais províncias do sul do país, e gradativamente vem assumindo o controle de várias das 34 províncias do país. 

Ainda que o presidente Joe Biden continue sustentando a retirada das tropas do país, sob o argumento de que “os EUA não podem participar e morrer em uma guerra em que nem o próprio Afeganistão está disposto a lutar”, diversos especialistas têm apontado para o fato de que a retirada está sendo desastrosa e mal planejada, e tende a gerar inúmeros riscos a ativistas, lideres feministas, e às frágeis instituições democráticas que se consolidaram nos últimos anos. Outros especialistas têm afirmado que o retorno do Talibã parece estar em consonância com os interesses de outras potencias asiáticas, como o caso da China, que tem buscado consolidar sua influência e seu domínio na região, como forma de trazer estabilidade ao seu projeto “One belt, one road”. Ainda, outros especialistas tem afirmado que essa (re)ascensão do Talibã se daria sob bases menos extremistas, de forma a, pragmaticamente, evitar conflitos e tensões com outros grupos de países.  

O fato é que o retorno do Talibã em tão pouco tempo escancara a fragilidade da estratégica de invasão e ocupação estadunidense, no pós 11 de setembro, e fundamentalmente, aponta para uma enorme indiferença do país, diante dos riscos e instabilidades geopolíticas que o grupo pode gerar regionalmente.

O autor

Alcides Eduardo dos Reis Peron é pesquisador de pós Doutorado no Departamento de Sociologia da USP. É graduado em Relações Internacionais e em Economia pela Facamp, tem mestrado e doutorado em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Foi pesquisador visitante nas Universidade de Lancaster (UK) e no Department of War Studies do King’s College London (UK). Membro da rede LAVITS (Rede Latino Americana de Vigilancia, Tecnologia e Sociedade), e do NEAI (Núcleo de Estudos e Análises Internacionais). É Autor do livro “American Way of War: Guerra Cirúrgica e o emprego de drones armados em Conflitos Internacionais”.

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